Nos nossos dias atuais, em que quase todo o conhecimento migrou exclusivamente das páginas dos livros para a ponta de nossos dedos, está se tornando cada vez mais difícil distinguir com exatidão o verdadeiro do falso. Em suma, separar o joio do trigo. E é neste contexto que surgiram as fake news.
O fato de existirem notícias falsas em si só não é novidade, porém a proliferação e a credibilidade que elas tomaram nos últimos anos é algo preocupante. Não são apenas veículos de mídia que são capazes de propagar uma notícia falsa, hoje em dia os influencers se tornaram um outro pilar da comunicação.
Nesse cenário, qual é a verdade e qual é a mentira? A minha, a sua, do jornal X ou do influencer Y? Assim como os grandes jornais ou tvs possuem seus respectivos pontos de vista e agendas, os influencers também as têm. Porém, nem todas as fake newssão feitas com a intenção de enganar, algumas são pura ignorância. Por isso é preciso checar aquilo que recebemos, quais as fontes e qual o motivo.
Essa é uma tarefa que a geração touch, que cresceu com os smartphones e Wikipédia, precisam se habituar a realizar. Infelizmente, poucos são aqueles que param dois minutos para abrir o link da notícia ao invés de simplesmente lerem um título que as agrada e imediatamente repassar. Com o advento das redes sociais, ficou ainda mais viciante compartilhar notícias para “dar o que falar” e assim ganhar notoriedade na internet.
Em 2018, a BBC publicou uma entrevista com o psiquiatra e diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria, Claudio Martins, na qual o médico afirma que o compartilhamento das fake news causa uma sensação de bem-estar semelhante à de usar drogas. Com essa gratificação é preciso mais do que nunca um maior autocontrole.
Como dito, nesse universo digital, as referências de informações andam lado a lado com a desinformação e, pensando nessa situação, trago uma outra questão relacionada. Os filmes baseados em fatos reais.
Tomemos como primeiro exemplo o filme “Amadeus” de 1984, que conta a biografia do gênio musical Wolfgang Amadeus Mozart. Ao assistir o longa, qual a impressão que temos do perfil do clássico compositor? Louco, brincalhão e irresponsável? Focar no perfil do músico, que pouco se sabe de fato, por vezes acaba passando ao público a impressão de que o Mozart era assim mesmo, principalmente com a noção de que se é baseado em fatos reais. A imagem que temos de uma pessoa real acaba por ser aquela a qual o filme quer passar, que por consequência muitas vezes é aquela que gerará o maior entretenimento e não necessariamente como Mozart era de verdade.
Outro exemplo nesta linha é o filme recente “Dois Papas”. Nele, esquecemos o ar de mistério de grandes personagens do passado e temos algo até mais “perigoso”, pois se trata de duas pessoas que ainda estão vivas. A visão do público sobre os pontífices Bento XVI e Francisco poderá ser alterada pela visão do diretor, muitas vezes de forma pessoal e não tão verídica
Quem lembra do blockbuster “O Código Da Vinci”? A mistura de ficção e realidade, ao usar personagens fictícios juntamente com locais, obras de arte e até mesmo lendas antigas como a do Santo Graal, causou um grande alvoroço. Mas
o que é realmente real? Neste caso, os personagens principais não existem, mas como as localidades sim, muitos tomaram a história como uma verdade. O turismo na Europa cresceu bastante neste período ao ponto de terem excursões preparadas especialmente para visitar os locais apontados no filme.
Seguindo a linha de locais que se tornaram famosos, temos o exemplo da série de sucesso “Friends”. Segundo consta no cânone do seriado, o famoso ponto de encontro dos seis
amigos, o café “Central Perk”, juntamente com o prédio no qual eles moravam, fica localizado no número 90 Bedford Street no West Village.
O prédio até existe, mas o café não. Essa discrepância é devido ao fato das filmagens terem sido feitos nos estúdios da Warner Bros, em Burbank n
a Califórnia, do outro lado do país.
Assim como este endereço específico de Nova Iorque, outros locais ganharam notoriedade pelas obras em que estão incluídos. O caso mais recente é o da escadaria na 167th Street, na parte sul do bairro do Bronks, na qual o personagem Coringa desce dançando numa demonstração de estar finalmente tomando as rédeas da sua vida. Agora, por qual motivo tantas pessoas passaram a frequentar o local e imitar, até mesmo com fantasias, essa cena? Pelo que li, isso se deve ao fato de que muitos, mesmo sabendo que o personagem é um vilão, tiveram dó dele, ou que de alguma forma foram alteradas após assistirem o filme.
Mesmo o Coringa não existindo na vida real, o impacto da sua história não é menos relevante para quem assiste. O filme mostra a diferença de classes, além de um alerta para a saúde mental. E por falar em mente, esse tema também é abordado de forma muito inteligente nas animações “Divertidamente” e “Os Incríveis”.
Não é pelo fato de serem voltados ao público infantil que as animações da Pixar não possuem um conteúdo adulto com um grande fundo psicológico. Em “Divertidamente” temos uma aula de inteligência emocional, mostrando as várias emoções que tomam controle de nossas mentes em cada ação que precisamos tomar ou cada dilema enfrentado. A mensagem final do filme, que mostra que as emoções não precisam ser únicas, que é possível ter um pouco de tristeza misturada a felicidade, aponta para uma compreensão das emoções.
“Os Incríveis” trabalha com crises dos seus personagens e elas são bem reais. Muito adultos se identificam com o rumo que a vida os antigos super heróis levou, de grandes aventuras a mesmice cotidiano. E o filme mostrou que não existe nada de errado com o dia-a-dia, e que é preciso se desprender do passado para aproveitar o agora e uma boa base familiar é uma fonte de força para enfrentar grandes desafios.
Enfim, “baseado em fatos reais” é apenas isso, baseado.
Então, como fazer e agir diante disso tudo? Como, por exemplo, lidar com um time criativo que também consome essas obras e, por consequência pode ter suas ideias e pensamentos manipulados? Como educar os filhos hoje com a tecnologia e a o excesso de informação que beira a desinformação? Acredito que pode ser resumido em uma única frase: Não acredite em tudo que vê e ouve, especialmente quando existe apenas uma fonte. Conteste! Pergunte! Exija saber as causas, motivos, razões e circunstâncias. Assim como em uma bela refeição, depois de consumir é preciso digerir. Não tenha pressa e pondere.
Não é uma tarefa fácil de ser feita e é preciso tempo, um atributo cada vez mais escasso no nosso dia-a-dia. Antes de compartilhar alguma notícia só pelo título chamativo, leia. Vá além do primeiro parágrafo. Veja quais as fontes apresentadas para tal informação. Cruze informações com veículos de mídia diferentes. Saia da sua bolha.
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