
Aumentar o faturamento em 1%. Isso é algo sempre bom, que empresa não gosta de lucrar um pouco mais? E queda da bolsa de 1%? Agora já é o outro lado da moeda, neste caso se perde dinheiro. Economia de 1%? Isso pode ser bom ou ruim dependendo da situação. Por exemplo, uma empresa pode economizar 1% na produção de um produto e não repassar ao cliente, ou seja, bom para a empresa e nem tanto para o cliente.
Essa pequena margem de porcentagem pode também parecer insignificante para muitas pessoas, afinal 1% de 100 é apenas 1. Arbitrariamente não parece grande coisa. Mas e se nós estivermos falando de algo concreto e sem preço, quanto vale 1% de mortes?
Ultimamente, devido ao novo cenário mundial causado pela pandemia do coronavírus (COVID-19), é possível ouvir em várias mídias algumas pessoas falando do que seria aceitável em números de mortos. Cortando direto ao assunto, eu deixo claro aqui que o meu número é 0. Ninguém deveria ter morrido. E após a primeira vítima, nenhuma morte a mais deveria ter ocorrido. Esse é meu número de mortes aceitável.
Tomo como exemplo a opinião do capitão comandante Chesley "Sully" Sullenberge, que realizou o pouso de emergência do voo 1549 da US Airway nas águas do rio Hudson. O comandante Sully fica aliviado de não ter perdido nenhuma vida, no que poderia ter sido um trágico acidente aéreo. Para ele, bastaria uma pessoa morta para ter sido considerado um desastre. Posteriormente, toda a tripulação do voo 1549 foi condecorada com a Medalha de Mestre da Guild of Air Pilots and Air Navigators. Na ocasião, foi dito que "Esta aterragem de emergência e a evacuação da aeronave, sem a perda de nenhuma vida humana, é uma conquista heroica e única da aviação".
Voltando ao 1%, eu entendo que quando se está em outras esferas mais administrativas este pensamento estatístico vem à tona. Por essa razão é preciso ter noção do contexto em que essa pequena porcentagem se apresenta, do contrário o custo do 1% será algo caro demais para todos nós.
Custo em vidas
Muitas pessoas estão falando que comparativamente o COVID-19 não mata tanto como outras doenças tais como o sarampo, a gripe comum ou o H1N1. Já ouvi compararem até mesmo com mortes causadas no trânsito ou em acidentes aéreos. O problema está justamente aí, na comparação. Do que importa saber que a gripe comum já matou milhões em relação ao novo coronavírus? Morte é morte. Mas parece que quando acontece no vizinho, distante da gente, dói menos. Mas e se acontece em casa e com algum familiar?
A primeira morte registrada por COVID-19 foi de um homem chinês de 61 anos no dia 11 de janeiro deste ano. Pouco se sabe sobre o homem, mas pela idade podemos supor que uma família perdeu um pai, avô, tio, irmão e filho. Até hoje, dia 6 de abril, mais de 51,7 mil pessoas já perderam a vida. Nesses quase 4 meses, quantas famílias estão de luto?
É preciso também acabar com a noção de que que o COVID-19 é uma doença de “velhos e enfermos”. Já temos casos de pessoas jovens e com saúde, na casa dos 20 e poucos anos, que morreram devido a doença, claro que são uma exceção a média de idade que se tem relatado. E é preciso saber mais informações sobre os estados de saúde e doenças pré existentes desses jovens. Essas mortes abaixo dos 60 anos são poucas, mas como eu venho pregando neste texto: uma morte já é demais.
Felizmente, a maior parte do mundo entendeu o recado e implementou a “quarentena” ou distanciamento social, em alguns lugares um pouco tarde, mas melhor do que nunca. Basicamente, com as pessoas em casa o vírus não se espalhará tanto uma vez que somos nós, seres humanos, que transportamos o vírus para todo o mundo. Com esta ação entrando em sua segunda semana em alguns países, alguns economistas e políticos têm tentado mostrar através de análises custo-benefício, que um período prolongado, o mais recomendado por profissionais de saúde, seria pior devido ao colapso da economia. Muito mais vidas seriam perdidas com o desemprego do que com o vírus. Essa é uma equação totalmente desequilibrada.
Um dos grandes proponentes de se voltar logo com a rotina comum era o presidente americano Donald Trump. O empresário tuitou que a cura não poderia ser pior do que a doença e havia dito que os trabalhadores americanos estariam de volta à ativa após a Páscoa. Mas, durante o último final de semana de março, ele mudou um pouco o tom. Durante uma coletiva de imprensa, o presidente Trump afirmou que em primeiro lugar vem a saúde e a segurança do povo, depois vem a economia. E no domingo a noite, ele estendeu as medidas de isolamento até 30 de abril.
Vamos fazer nossa parte para que quando atravessarmos essa pandemia, tenhamos perdido o menor número de vidas possível. A economia se dá um jeito, já passamos por diversas crises financeiras, mas com a morte não tem volta.
Exercício de Probabilidade
Vamos fazer aqui um exercício de probabilidade. Você escuta um amigo falando: “nossa, aquele médico obstetra disse que somente 1% das crianças que coloca no mundo ele deixa cair no chão”. Vocês dois chegam a rir, pois como foi contado parece uma piada. Chegando em casa, sua esposa diz que escolheu o médico que fará o parto do seu filho. Assim que escuta o nome, seu sorriso desaparece e o medo toma conta, é o mesmo da “piada” anterior. E agora, o que você faz? Aceita a probabilidade “pequena” dos 1% ou procura outro? Como um futuro pai responsável, acredito que a troca de médicos é realizada sem nem pensar duas vezes, não é?
Quando estamos lidando com algo tão importante para nós mesmos, o 1% passa a ser um número gigantesco.
Antes de encerrar, quero dizer que esse “exemplo” não é real. Nunca vi nem ouvi essa informação sobre nenhum médico, não estou depreciando os profissionais de saúde. Poderia ter usado exemplos de arquitetos e até designers. Tá bom, também não tenho nada com esses também, afinal me enquadro nessas duas categorias.
Tudo que quero é te trazer a reflexão de pensar: quanto vale 1%? É muito ou pouco? Lembrando que, se levarmos em conta a população brasileira de cerca de 210 milhões de habitantes, o 1% são 2,1 milhões de pessoas. Se seus parentes estiverem dentro desse universo, seria muito ou pouco?
Muita saúde para todos nós
Mauricio Landini
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